sábado, 24 de março de 2018

Nota Técnica do Ministério do Trabalho aprova o uso do ensino a distância em SST

O Ministério do Trabalho, através da Secretaria de Inspeção do Trabalho, se posicionou formalmente a favor da utilização de tecnologia de educação a distância para os treinamentos previstos nas Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho.

A Nota Técnica nº 54/2018/CGNOR/DSST/SIT, emitida em 23/03/2018, discorre sobre o assunto e conclui pela revogação das notas anteriores que vedavam essa metodologia.

Muito embora seja louvável que a Secretaria de Inspeção do Trabalho esteja regularmente analisando os importantes temas da área, me parece estranho que o faça por meio de tantas Notas Técnicas. Isso gera uma fragilidade jurídica, pouca transparência e dificuldade de consulta. Afinal, nem todas as Notas Técnicas são publicadas no Portal do Ministério do Trabalho.

Ao analisar o texto da referida NT 54, dois aspectos ficaram bem evidentes sobre a motivação desse documento.

O primeiro diz respeito ao alinhamento com a legislação específica da área de educação. O início do texto da NT enfatiza que a legislação brasileira adota a metodologia de educação a distância, sem restrições, e até mesmo no ensino superior. Essa constatação é colocada como um tipo de defesa, ou seja, se essa modalidade é aplicada legalmente nas instituições de ensino, porque caberia àquela Secretaria de Inspeção do Trabalho se manifestar de forma contrária?

O segundo aspecto é o da necessidade de coerência com decisão anterior do próprio Ministério do Trabalho, que emitiu uma regulamentação específica para a aplicação da modalidade de educação a distância nos cursos da NR-20. Essa regulamentação específica foi a Portaria 872/2017, mencionada 5 vezes nessa Nota Técnica.

Os dois aspectos acima estão explícitos e resumidos quando o texto da NT 54 afirma:


"Nesse sentido, conjugando-se o disposto na legislação do sistema oficial de ensino no que tange ao EaD e o que estabelece a legislação trabalhista no tocante à capacitação de trabalhadores, em especial a Portaria MTb n.° 872/2017, torna-se viável a adoção da modalidade de ensino a distância (EaD) e semipresencial na capacitação em SST, desde que sejam observadas regras e parâmetros específicos, a fim de que a capacitação seja implementada de forma eficaz para a realidade de cada empresa e atendendo o que preconiza cada Norma Regulamentadora."

Embora a NT 54 aprove o ensino a distância para os treinamentos das Normas Regulamentadoras, ela estabelece um conjunto de recomendações para sua aplicação. Desde o projeto pedagógico, passando pela estrutura local, complementação com práticas, onde necessário, interação com tutores e responsabilidades do empregador.

Ao fazer um alerta, a NT 54, deixa claro que, mesmo o Ministério do Trabalho aprovando essa modalidade de ensino, é o empregador o verdadeiro responsável por suas características e efetividade. Vejam esse parágrafo:


"Com isso, rejeita-se a capacitação em SST puramente genérica, meramente protocolar e que não capacita o trabalhador para nenhuma atividade. Dessa forma, o empregador deve observar a correspondência entre a capacitação em SST a ser fornecida e a realidade da empresa, selecionando a modalidade de capacitação que atenda de maneira efetiva a seus trabalhadores, seja pela modalidade presencial, seja pela modalidade EaD, ou ainda pela modalidade semipresencial, que conjuga as duas opções anteriores."

É esperado que essas idas e voltas sobre esse assunto sirvam de aprendizado aos colegas do Ministério do Trabalho, evitando a edição de Notas Técnicas que pretendam legislar sobre um tema. O objetivo primordial das Notas Técnicas deve ser o de esclarecer e não de criar novos regramentos. Para isso existem as Comissões responsáveis pela revisão e atualização das normas regulamentadoras.

Da mesma forma, tornou-se ainda mais importante que a Comissão Nacional Tripartite Paritária providencie, com urgência, uma regulamentação completa sobre esse assunto.

Os treinamentos previstos em normas regulamentadoras são destinados à prevenção de acidentes do trabalho. Muitos deles estão relacionados a características específicas dos ambiente de trabalho, exigem atividades práticas e troca de informações entre os trabalhadores e interação com os instrutores. Se não houver uma regulamentação, podemos caminhar para a banalização dos treinamentos. A tecnologia permite que os treinamentos sejam dinâmicos, contenham informação de qualidade e ferramentas de interação. Entretanto, é comum vermos no mercado, uma sequência de telas para leitura sendo vendidas como treinamento a distância. Portanto, que tenhamos cautela e responsabilidade.

Transcrevo a partir daqui a íntegra da Nota Técnica 54 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que já está disponível no portal do Ministério do Trabalho. 


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Secretaria de Inspeção do Trabalho
Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho
Coordenação-Geral de Normatização e Programas
NOTA TÉCNICA N° 54/2018/CGNOR/DSST/SIT

Interessado: Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho - Secretaria de Inspeção do Trabalho/MTb
Assunto: Capacitação em Segurança e Saúde no Trabalho pela modalidade de ensino a distância (EaD) e semipresencial. Revogação de Notas Técnicas anteriores sobre a matéria, em razão da publicação da Portaria MTb n.° 872, de 06 de julho de 2017.

I - INTRODUÇÃO

Atualmente, o debate acerca do tema educação a distância é crescente no que diz respeito à capacitação de trabalhadores.

Para o sistema oficial de ensino a metodologia de Educação a Distância (EaD) está prevista no art. 80 da Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

De acordo com o Decreto n.° 9.057, de 25 de maio de 2017[1], que regulamenta o art. 80 da Lei n.° 9.394/1996, a educação a distância caracteriza-se "como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos.".

Esse Decreto permite de forma expressa o credenciamento de Instituição de Ensino Superior (IES) para oferta de cursos superiores exclusivamente na modalidade a distância, sem a necessidade de oferta de cursos presenciais.

A Resolução n.° 1, de 11 de março de 2016[2], do Conselho Nacional de Educação (CNE) do Ministério da Educação (MEC) estabelece as diretrizes e normas nacionais para a oferta de programas e cursos de educação superior na modalidade a distância.

A Portaria Normativa n° 11, de 20 de junho de 2017, do MEC, estabeleceu as normas para o credenciamento de instituições e a oferta de cursos superiores a distância, definindo regras, inclusive, para a oferta de cursos superiores a distância sem previsão de atividades presenciais, atendidos requisitos específicos, conforme estipulado no artigo 8°.

Assim como é proficua no sistema formal de educação, a adoção da metodologia de EaD no universo do trabalho pode ser produtiva, por proporcionar maior abrangência e alcance na propagação de conhecimento, além de otimizar essa forma o emprego de recursos.

Porém, há que se observar que os aspectos positivos advindos da educação a distância só podem ser alcançados se a metodologia for implementada com base em projeto pedagógico específico da capacitação, de forma a serem definidos claramente os objetivos de aprendizagem, as estratégias pedagógicas a serem adotadas e as competências a serem desenvolvidas.

II - ANÁLISE

A capacitação em Segurança e Saúde no Trabalho (SST) estipulada em Normas Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho (MTb) apresenta especificidades por ser
dirigida a uma relação de emprego, em que figuram o empregador e o trabalhador, sendo de
responsabilidade do empregador fornecer capacitação para prevenção de doenças e acidentes de
trabalho.

Geralmente as NRs estipulam carga horária, periodicidade, conteúdo programático e requisitos quanto à formação do profissional responsável pela capacitação.

Assim, compete ao empregador realizar a capacitação em SST, adotando os parâmetros estipulados pela NR, sendo responsável pela organização, execução e gestão da capacitação,
estando aí incluídas questões como local para realização, elaboração de material didático, o
projeto pedagógico do curso, os métodos de avaliação e a seleção dos profissionais para
ministrar o curso.

REGULAMENTAÇÃO DE CAPACITAÇÃO EM SST POR EAD

As Normas Regulamentadoras não abordam expressamente a modalidade de ensino a distância. Dada a contemporaneidade do tema, a Comissão Tripartite Paritária Permanente – CTPP3[3], instância superior responsável pela construção e alteração das NRs, incluiu oficialmente no planejamento de atividades de 2017 a discussão acerca de EaD nas capacitações em SST previstas nas NRs[4].

Na verdade, mesmo antes disso, essa demanda já se fazia presente nas atividades da CTPP, que deliberou favoravelmente pela criação de uma subcomissão para acompanhamento da temática de EaD para a capacitação da NR-20 (que trata da Segurança e Saúde no Trabalho com Inflamáveis e Combustíveis). Nesse sentido, a Portaria SIT n. ° 531, de 19 de abril de 2016,
constituiu Subcomissão Tripartite no âmbito da Comissão Nacional Tripartite Temática (CNTT)
da NR-20, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento e a implementação de projeto
piloto de educação a distância (EaD) e semipresencial para as capacitações previstas na NR-20.

Essa Subcomissão Tripartite acompanhou a implementação de projeto piloto de empresa de porte nacional para utilização da modalidade de ensino a distância e semipresencial para as capacitações previstas na NR-20. O trabalho envolveu a análise do projeto pedagógico e dos materiais utilizados, bem como entrevistas com os trabalhadores submetidos a essa modalidade de capacitação.

Após análises, recomendações de melhorias e intensos debates do projeto piloto pela Subcomissão Tripartite, foi constatada a viabilidade da utilização dessa metodologia de aprendizagem - EaD e semipresencial - no fornecimento das capacitações preconizadas pela
NR-20.

Como resultado desse estudo, a Subcomissão Tripartite propôs texto normativo para disciplinar a matéria, estabelecendo diretrizes e requisitos mínimos para utilização da modalidade de ensino a distância e semipresencial nas capacitações previstas na Norma Regulamentadora n.° 20, notadamente, requisitos operacionais, administrativos, tecnológicos e de estruturação pedagógica.

A proposta de regulamentação elaborada pela Subcomissão Tripartite da CNTT da NR-20 foi objeto de deliberação na 88ª reunião da CTPP, ocorrida nos dias 28 e 29 de março de 2017, resultando na publicação da Portaria MTb n.° 872, de 06 de julho de 2017, que estabelece os requisitos para a adoção da modalidade de EaD e semipresencial no âmbito da NR-20.

Nesse sentido, conjugando-se o disposto na legislação do sistema oficial de ensino no que tange ao EaD e o que estabelece a legislação trabalhista no tocante à capacitação de trabalhadores, em especial a Portaria MTb  n.° 872/2017, torna-se viável a adoção da modalidade de ensino a distância (EaD) e semipresencial na capacitação em SST, desde que sejam observadas regras e parâmetros específicos, a fim de que a capacitação seja implementada de forma eficaz para a realidade de cada empresa e atendendo o que preconiza cada Norma Regulamentadora.

CARACTERÍSTICAS

A adoção de metodologia de EaD em capacitações de SST traz à tona particularidades que devem ser observadas pelo empregador além daquelas que seriam exigidas caso a capacitação fosse ministrada exclusivamente de forma presencial. Assim:

Projeto pedagógico:
Deve caracterizar e descrever a capacitação, os objetivos da capacitação, a infraestrutura física,
as estratégias pedagógicas, os recursos tecnológicos, o material didático, as atividades a serem
desenvolvidas e os mecanismos de avaliação.

Duração:
A duração do curso a distância deve ser igual à duração do curso na modalidade presencial, já
que a capacitação é prevista em NR, onde se estipula a duração mínima necessária.

Local e horário:
Deve ser disponibilizado ambiente adequado à tecnologia que será utilizada na capacitação por
EaD e semipresencial. A capacitação em SST deve ser realizada em horário de trabalho, e o
acesso ao local de estudo deve ser franqueado pelo empregador, seja em suas próprias
dependências ou na de terceiro contratado para realização da capacitação. Também deve ser garantido pelo empregador o acesso à mídia escolhida (televisão, computador, internet, login, senha, conforme o caso).

Interação:
Os projetos pedagógicos devem prever que as tecnologias adotadas na implementação de EaD e
semipresencial proporcionem a interação entre os atores da capacitação, ou seja, deve-se
propiciar a comunicação entre alunos e professores.

Tecnologias:
A definição do uso das tecnologias a serem adotadas deve estar em consonância com a realidade
do local onde será ministrada a capacitação. Deve-se verificar se há suporte e infraestrutura para
a adoção das diferentes mídias que proverão a capacitação nos formatos EaD e semipresencial.

Público alvo:
A seleção da modalidade de EaD e semipresencial deve considerar as características do
trabalhador, tais como escolaridade e familiaridade com os recursos pedagógicos e tecnológicos
necessários à implementação dessa modalidade de capacitação.

Profissionais:
Os profissionais da educação, que atuarem no EaD e semipresencial, além de terem formação
condizente e específica conforme NRs, devem ter preparação específica para atuar nesse tipo de
modalidade.

Conteúdo Prático:
É indispensável que os treinamentos práticos previstos em norma, caracterizados como aqueles
que demandam a aprendizagem do trabalhador in loco, além de constar no projeto pedagógico,
devem ser ministrados de forma presencial.

Sistemas de avaliação:
Existência de sistemas de acompanhamento e avaliação da aprendizagem, que sejam contínuos e
efetivos, de forma a verificar o desenvolvimento das habilidades e o real aprendizado do
conteúdo pelo trabalhador.


RESPONSABILIDADES

Como a capacitação em SST é obrigação trabalhista a ser fornecida pelo empregador a seus trabalhadores em razão dos riscos oriundos da atividade explorada, é de inteira responsabilidade do empregador garantir sua efetiva implementação, sujeitando-se às
sanções administrativas cabíveis em caso de uma capacitação não efetiva ou ainda pela
capacitação de má qualidade que não atenda aos requisitos da legislação.

É indispensável observar que, ainda que se opte pela realização de capacitação em
SST por meio de EaD ou semipresencial, é salutar que toda capacitação seja adaptada à
realidade de cada estabelecimento. É que o trabalhador está sendo capacitado pelo empregador para atuar em determinado espaço, logo, uma capacitação genérica não irá atender às peculiaridades de toda e qualquer atividade econômica.

Assim, para melhor ilustrar esse parâmetro, citam-se, apenas a título de exemplo, as
capacitações de algumas NRs, a saber, NR-36 e NR-05.

A alínea do item 36.16.1.2 prevê treinamento de trabalhadores sobre os riscos existentes e as medidas de controle. Assim, ainda que conceitos, princípios e definições relativos a riscos ergonômicos possam ser ministrados em formato EaD, a capacitação da NR-36 deve efetivamente preparar o trabalhador, por exemplo, para adotar posturas adequadas no desenrolar de suas atividades, ou ainda para manusear de maneira correta as ferramentas que devem ser utilizadas na sua jornada de trabalho, evitando-se, por consequência, o adoecimento do trabalhador.

No mesmo diapasão, entende-se a capacitação da CIPA. As disciplinas estipuladas
na NR-05 devem estar vinculadas à realidade de trabalho em que a CIPA está inserida. Isto é, a
matéria quanto ao estudo do ambiente, das condições de trabalho, bem como dos riscos
originados do processo produtivo, prevista na alínea do item 5.33 da NR-05, deve apresentar
aos cipeiros os riscos da atividade efetivamente desenvolvida pela empresa, de forma que estes
estejam aptos a reconhecer os riscos do ambiente específico em que atuam a fim de que tenham
uma atuação definitivamente prevencionista.

Com isso, rejeita-se a capacitação em SST puramente genérica, meramente protocolar e que não capacita o trabalhador para nenhuma atividade. Dessa forma, o empregador deve observar a correspondência entre a capacitação em SST a ser fornecida e a realidade da empresa, selecionando a modalidade de capacitação que atenda de maneira efetiva a seus trabalhadores, seja pela modalidade presencial, seja pela modalidade EaD, ou ainda pela modalidade semipresencial, que conjuga as duas opções anteriores.

O empregador responde pela capacitação quando é ministrada diretamente por membros da própria organização, ou mesmo quando a capacitação for terceirizada à empresa especializada.

III— CONCLUSÃO

Por todo o exposto, e tendo em vista a recente publicação de regulamentação deste Ministério acerca da viabilidade na adoção da modalidade de EaD e semipresencial na capacitação da NR-20, entende-se cabível a adoção dessa modalidade de formação na capacitação do conteúdo teórico de SST também de outras NRs nos moldes mínimos estabelecidos nesta Nota Técnica e na Portaria MTb n. ° 872, de 06 de julho de 2017, no que couber, até que supervenha regulamentação para cada norma específica.

Propõe-se, ainda, a revogação das Notas Técnicas: n° 68, de 31 de março de 2008, n° 259/2009/DSST/SIT; n° 281/2016/CGNORIDSST/SIT; n°283/2016/CGNORIDSST/SIT e n° 286/2016/CGNORIDSST/SIT, exaradas antes da regulamentação da Portaria MTb n.° 872, de 06 de julho de 2017, dando-se publicidade ao novo entendimento.

À consideração superior.

Brasília,13 de março de 2018.

CHRISTIANNE ANDRADE ROCHA
Auditora Fiscal do Trabalho

De acordo. Encaminhe-se à Coordenação-Geral
Brasília, 13/03/2018.

JOELSON GUEDES DA SILVA
Chefe do Serviço de Normatização e Registros

De acordo. Encaminhe-se ao DSST.
Brasília, 13/03/2018.

ELTON MACHADO BARBOSA COSTA
Coordenador-Geral de Normatização e Programas

De acordo. Encaminhe-se à SIT.
Brasília, 16/03/2018.
EVA PATRÍCIA GONÇALO PIRES
Diretora do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho

De acordo. Divulgue-se.
Brasília, 23/03/2018

MARIA TERESA PACHECO JENSEN
Secretária de Inspeção do Trabalho



[1] Este Decreto revogou o Decreto 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que originalmente instituiu a modalidade de ensino à distância no sistema oficial de ensino, de forma a atualizá-lo.
[2] Resolução CNE/CES 1/2016. DOU, Brasília, 14 de março de 2016, Seção 1, págs. 23-24
[3] Instituída pela Portaria n° 2, de 10 de abril de 1996, com o objetivo de participar no processo de revisão
ou elaboração de regulamentação na área de Segurança e Saúde no Trabalho.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Justiça do Trabalho, no Brasil e no Mundo

É comum, infelizmente, entre nós, os brasileiros, utilizarmos expressões que denigrem o nosso país, o nosso povo e a nossa cultura. Nos achamos piores, inferiores, muitas vezes sem conhecimento de causa, ou seja, sequer conhecemos a realidade de outros países, mas com base em opiniões, reportagens ou uma simples viagem de turismo, tiramos conclusões precipitadas e equivocadas.

Aliás, essa forma de pensar recebeu uma denominação específica, o "complexo de vira-lata". Embora a expressão tenha surgido a partir de uma crônica esportiva de Nelson Rodrigues, ela ganhou vida própria e abrangência.

Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. (Nelson Rodrigues, 1950)

Outra expressão, vinculada a esse viralatismo, é aquela que relaciona a jabuticaba a algo que só existe no Brasil. Com variantes em sua aplicação, a mais comum é a que afirma:

Se só existe no Brasil, e não é jabuticaba, pode saber que é besteira.

Esse preâmbulo é para falar da nossa Justiça do Trabalho, que entrou na berlinda com o avanço da "reforma" trabalhista. Entre aspas, pois na verdade, não se reformou no sentido de uma discussão e amadurecimento de conceitos. Aproveitou-se, este governo, de um determinado momento político, para realizar alterações significativas na Consolidação das Leis do Trabalho, com o objetivo declarado de suprimir direitos, sob o pretexto de se criar empregos, ainda que fossem subempregos; fato aliás, que até esta data não se materializou.

Com isso, cumpriu um de seus compromissos com os grupos políticos que o sustentam, já que, por si só, não consegue a legitimidade que, em estados democráticos de direito, só as urnas concedem a um programa ou projeto de país.

Mas será que a Justiça do Trabalho é essa tal jabuticaba? Ou essa comparação é esdrúxula e decorre do tal complexo de vira-latas?



Como o nosso blog é dedicado, principalmente, à segurança e saúde no trabalho, todos os temas que se relacionem com a legislação trabalhista nos chamam a atenção e requerem uma divulgação. Aliás, sobre esse assunto já tratamos há poucos meses, quando apresentamos uma resenha sobre a lei das terceirizações (veja aqui).

Foi pensando nisso tudo que me deparei com o artigo do Procurador do Trabalho, Rodrigo Lacerda Carelli, professor da UFRJ e Doutor em Sociologia. Com o título "O mito da jabuticaba: A Justiça do Trabalho no mundo", o autor discorre de forma clara sobre o papel do Direito do Trabalho na sociedade. O artigo foi publicado originalmente em dezembro de 2017.

Ele começa o artigo, desmistificando a ideia de ser essa instância jurídica uma invenção brasileira.


"Um mito ideológico, fruto de ignorância ou má-fé, que se repete nesses tempos de pós-verdade é que a Justiça do Trabalho é uma jabuticaba, no sentido de que seria instituição criada no Brasil e que só existe aqui. Aliás, essa é uma das formas típicas do brasileiro desmerecer a si mesmo: “só no Brasil”, costuma-se dizer, com pompa nórdica ou ares de lorde britânico, como se nada tivesse a ver com o que aqui ocorre. Entretanto, os fatos não colaboram com o embuste: a Justiça do Trabalho existe em diversos países do mundo, tanto em países da common law, quanto da tradição da civil law, a qual herdamos do continente europeu."

Em seguida, Carelli faz passagens rápidas pelo funcionamento da justiça trabalhista na Inglaterra, França, Alemanha, Nova Zelândia, Bélgica, Israel, Suécia, Finlândia, Chile e México. Seu artigo, ainda que sucinto, joga no lixo a referência jocosa de jabuticaba. E ele ainda graceja com isso, ao registrar que, na verdade, a jabuticaba existe e é cultivada em vários países. Ou seja, "nem mesmo a jabuticaba é tão "jabuticaba" assim".

Portanto, cada um de nós que atua na área de prevenção de acidentes, preservação da vida e promoção da saúde, deve estar atento e preocupado com alterações da legislação trabalhista que possam comprometer ainda mais as condições de trabalho e que ataquem o conceito universal de trabalho decente, que o Brasil, sendo membro da OIT, tem o compromisso de defender.

Referências:

Artigos selecionados - Ministério Público do Trabalho

Portal JOTA de informação jurídica

Complexo de Vira-Lata

Terceirização irrestrita: aprovação de projeto de lei  gera preocupação e protestos