sexta-feira, 10 de maio de 2019

Normas Regulamentadoras serão revisadas para diminuir exigências

Uma notícia surpreendente. As Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho serão revisadas, com o objetivo previamente definido de reduzir a regulamentação. O atual secretário especial do trabalho e previdência social acha que a normatização é "absolutamente bizantina, anacrônica e hostil" (sic).

Ele afirmou que a primeira norma a ser revista será a NR-12, mas que todas elas serão simplificadas. Segundo ele, as empresas não têm como cumprir as normas, pois isso faz com que elas percam produtividade e competitividade.

Ora, se a autoridade maior da área afirma que a normatização não pode ser cumprida, a fiscalização do trabalho passa a ficar totalmente fragilizada em sua necessária independência.

Considero importante registrar que até agora, a revisão dos textos normativos vinha sendo feito por meio de comissões tripartites, ou seja, negociadas por representantes dos empregados, dos empregadores e do governo. É um modelo adotado por vários países, seguindo orientação da Organização Internacional do Trabalho. Sendo assim, os textos atuais das normas regulamentadoras passaram por amplo debate e para sua aprovação foi obtido um consenso, na maioria absoluta dos casos.

Na mesma reportagem oficial, publicada em 09/05/2019, o secretário aproveita para falar sobre a reforma da previdência e afirma que "os trabalhadores terão que trabalhar um pouco mais e pagar um pouco mais" para garantirem suas aposentadorias. A íntegra dessa notícia está no seguinte link oficial:
http://trabalho.gov.br/noticias/7014-governo-vai-modernizar-normas-regulamentadoras-de-saude-e-seguranca-do-trabalho


Como repercussão imediata da notícia, em 13/05, o presidente da república deu destaque a essa medida, produzindo um vídeo em que repete trechos da nota publicada pelo Secretário Especial do Trabalho e Previdência e anuncia que o objetivo é reduzir em 90% as normas de segurança. Na mesma data, o secretário também publica um vídeo sobre o assunto nas redes sociais do governo federal. Por conta disso, o tema foi amplamente destacado na imprensa. De acordo com o órgão oficial de comunicação do governo, a EBC, a simplificação das normas de segurança irá trazer mais empregos. Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-05/revisao-de-normas-trara-mais-emprego-diz-secretario

Em 14/05, o SINAIT - Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho emite uma Nota Pública questionando as declarações dos representantes do governo federal. Em um trecho da nota o SINAIT afirma:

"As autoridades focam prioritariamente os empresários que, segundo eles, encontram um ambiente hostil ao investimento. Afirmam, também, que a legislação não é moderna. O SINAIT salienta que esse é um ponto de vista questionável, pois as NRs são construídas em comissões tripartites – com representantes do governo, de empregados e empregadores – e que há um processo contínuo de discussão das normas. A grande maioria das 37 NRs passou e passa por atualização constante para adequá-las à legislação e à realidade do mundo do trabalho. São, portanto, normas dinâmicas, e, sim, modernas. Não há valor maior, na visão do SINAIT, do que a proteção da vida. Esse é, no caso, o objetivo das Normas Regulamentadoras, desde a sua concepção."
A íntegra da Nota Pública do SINAIT está neste link:

Diante desse anúncio e de sua repercussão, é provável que o assunto ainda vá gerar muita discussão e polêmicas.

#NR #normasregulamentadoras #trabalho #segurançadotrabalho #acidentedotrabalho #prevençãodeacidentes #OIT #EndereçodaPrevenção

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domingo, 5 de maio de 2019

Filosofia, engenharia e os desafios da tecnologia na civilização 4.0

Volta e meia surge a falsa dicotomia entre as áreas de exatas e humanas.  A quem interessa criar essa disputa? Com que objetivos?

Um dos temas que eu sempre gostei de estudar foi a importância da interdisciplinaridade e  transdisciplinaridade na formação profissional. Abordei esse assunto em minha dissertação de mestrado, ao analisar os aspectos de segurança do trabalho na formação de engenheiros. Naquela oportunidade, meu objetivo era verificar se entre as competências previstas para os engenheiros, estava presente a visão holística do mundo que nos cerca, da sociedade em que vivemos e atuamos; e se o humanismo era um valor para essa formação. Se assim fosse, estariam os engenheiros mais aptos para enfrentar os problemas relacionados à segurança e saúde dos trabalhadores, os desafios ambientais dos seus projetos, além de conhecerem melhor a responsabilidade social de suas ações ou omissões.


Fiz esse preâmbulo para iniciar alguns comentários e reflexões a partir do artigo de Leandro Bordin e Walter Bazzo, do Programa de Pós Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina. O artigo foi publicado na Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, no primeiro semestre de 2018:  ESSA “TAL” FILOSOFIA: SOBRE AS CONCEPÇÕES DE TECNOLOGIA E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO FORMATIVO EM ENGENHARIA



Ler esse artigo é muito oportuno nesse momento de desatino governamental e ataque ideológico às universidades públicas, aos institutos federais e à educação de uma forma geral. E digo isso não só pela qualidade da discussão acadêmica que ele nos oferece, mas pela sua característica de evidenciar a relação entre filosofia, educação e tecnologia. Coloquei neste nosso blog dedicado à segurança, meio ambiente e saúde, pois o impacto da tecnologia é muito grande nesses três aspectos do ambiente de trabalho.


Professor Walter Bazzo

O artigo, em seu resumo, declara que tem como objetivo o estabelecimento de relações entre a Teoria Crítica da Tecnologia – do filósofo Andrew Feenberg – e a educação em Engenharia. Ao entender que o universo social e o universo tecnológico se encontram em estreita relação, essa importante concepção de desenvolvimento tecnológico orienta um processo formativo mais crítico, reflexivo e comprometido com o bem viver coletivo.



Andrew Feenberg
Na introdução, os autores deixam claro, com alguns exemplos, a constatação do paradoxo que vivemos e que exige respostas dos responsáveis, ou seja, de todos nós:

"Vive-se uma crise hídrica com previsões que apontam para situações cada vez mais catastróficas. O desmatamento e a poluição do ar atingem níveis alarmantes. O consumo e a exploração de combustíveis fósseis não dão sinais de retrocederem – ou no mínimo estacionarem."
"Há, ainda, um grande déficit habitacional com elevados índices de cidades sem saneamento básico."
"É preciso dar destaque às questões de mobilidade humana e ao problema dos refugiados em tantos países mundo afora. As guerras que fazem cada vez mais vítimas em nome do poder."
"Esse tal poder que estabelece e agrava crises políticas, econômicas, sociais e ambientais. Os interesses escusos, as vidas interrompidas e a falta de tolerância. Intolerância racial, religiosa, de gênero e de orientação sexual que faz vítimas em números preocupantes. 
"Em tempos quando se celebram tantos 'avanços' e 'progressos' na área da ciência e da tecnologia, a constatação desse estado de coisas é no mínimo paradoxal."
"Ao observar o processo civilizatório em curso, é impossível não nos perguntarmos por quê, para quê e para quem o 'avanço' e 'progresso' estão sendo construídos. Acreditamos que na equalização do binômio desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento humano reside a chave para o empreendimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Alguns autores contemporâneos, de diferentes áreas de formação, têm nos chamado atenção para os rumos desastrosos em direção dos quais a sociedade está se encaminhado. Suas ponderações nos alertam sobre a necessidade de, na área da educação em Engenharia, investirmos esforços no desenvolvimento integral dos profissionais que no âmbito da sociedade serão responsáveis por propor soluções para os problemas contemporâneos. Problemas que, progressivamente, incorporam novas variáveis – e incógnitas – e, portanto, se tornam complexos de equacionar."

Como a área de atuação dos autores é a Educação em Engenharia, é sobre esse aspecto que eles se debruçam e realizam a análise, usando como referência a Teoria Crítica da Tecnologia.



E assim, com a revisão bibliográfica feita e apresentada, eles concluem de forma declaratória e propositiva para o ensino de engenharia:


"Nesse aspecto, apostamos numa formação que leve em conta a relação entre desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento humano e, para tanto, defendemos a criação de tempos e espaços na educação em Engenharia para discussões que auxiliem os estudantes na estruturação de concepções filosóficas e epistemológicas acerca da tecnologia. Por certo, haveremos de ter engenheiras e engenheiros mais conscientes do papel transformador que podem – e devem – assumir nesse modelo conturbado de civilização em que vivemos."

Se o tema lhe pareceu interessante, siga o link e leia a íntegra deste artigo, na Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia:

Referências:

BORDIN, L.; BAZZO, W. A. Essa “tal” filosofia: sobre as concepções de tecnologia e seus reflexos no processo formativo em engenharia. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 11, n. 1, 2018. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rbect/article/view/5728

Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica - NEPET. Disponível em http://www.nepet.ufsc.br/ 

A civilização 4.0. Entrevista com Walter Bazzo. Disponível em: https://youtu.be/ybCYymDzdTs

Andrew Feenberg (Universidade Simon Fraser - Canadá): https://www.sfu.ca/~andrewf/

Walter Bazzo (Universidade Federal de Santa Catarina): http://emc.ufsc.br/portal/staff/walter-antonio-bazzo/