Aliás, essa forma de pensar recebeu uma denominação específica, o "complexo de vira-lata". Embora a expressão tenha surgido a partir de uma crônica esportiva de Nelson Rodrigues, ela ganhou vida própria e abrangência.
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. (Nelson Rodrigues, 1950)
Outra expressão, vinculada a esse viralatismo, é aquela que relaciona a jabuticaba a algo que só existe no Brasil. Com variantes em sua aplicação, a mais comum é a que afirma:
Se só existe no Brasil, e não é jabuticaba, pode saber que é besteira.
Esse preâmbulo é para falar da nossa Justiça do Trabalho, que entrou na berlinda com o avanço da "reforma" trabalhista. Entre aspas, pois na verdade, não se reformou no sentido de uma discussão e amadurecimento de conceitos. Aproveitou-se, este governo, de um determinado momento político, para realizar alterações significativas na Consolidação das Leis do Trabalho, com o objetivo declarado de suprimir direitos, sob o pretexto de se criar empregos, ainda que fossem subempregos; fato aliás, que até esta data não se materializou.
Com isso, cumpriu um de seus compromissos com os grupos políticos que o sustentam, já que, por si só, não consegue a legitimidade que, em estados democráticos de direito, só as urnas concedem a um programa ou projeto de país.
Mas será que a Justiça do Trabalho é essa tal jabuticaba? Ou essa comparação é esdrúxula e decorre do tal complexo de vira-latas?
Como o nosso blog é dedicado, principalmente, à segurança e saúde no trabalho, todos os temas que se relacionem com a legislação trabalhista nos chamam a atenção e requerem uma divulgação. Aliás, sobre esse assunto já tratamos há poucos meses, quando apresentamos uma resenha sobre a lei das terceirizações (veja aqui).
Foi pensando nisso tudo que me deparei com o artigo do Procurador do Trabalho, Rodrigo Lacerda Carelli, professor da UFRJ e Doutor em Sociologia. Com o título "O mito da jabuticaba: A Justiça do Trabalho no mundo", o autor discorre de forma clara sobre o papel do Direito do Trabalho na sociedade. O artigo foi publicado originalmente em dezembro de 2017.
Ele começa o artigo, desmistificando a ideia de ser essa instância jurídica uma invenção brasileira.
"Um mito ideológico, fruto de ignorância ou má-fé, que se repete nesses tempos de pós-verdade é que a Justiça do Trabalho é uma jabuticaba, no sentido de que seria instituição criada no Brasil e que só existe aqui. Aliás, essa é uma das formas típicas do brasileiro desmerecer a si mesmo: “só no Brasil”, costuma-se dizer, com pompa nórdica ou ares de lorde britânico, como se nada tivesse a ver com o que aqui ocorre. Entretanto, os fatos não colaboram com o embuste: a Justiça do Trabalho existe em diversos países do mundo, tanto em países da common law, quanto da tradição da civil law, a qual herdamos do continente europeu."
Em seguida, Carelli faz passagens rápidas pelo funcionamento da justiça trabalhista na Inglaterra, França, Alemanha, Nova Zelândia, Bélgica, Israel, Suécia, Finlândia, Chile e México. Seu artigo, ainda que sucinto, joga no lixo a referência jocosa de jabuticaba. E ele ainda graceja com isso, ao registrar que, na verdade, a jabuticaba existe e é cultivada em vários países. Ou seja, "nem mesmo a jabuticaba é tão "jabuticaba" assim".
Portanto, cada um de nós que atua na área de prevenção de acidentes, preservação da vida e promoção da saúde, deve estar atento e preocupado com alterações da legislação trabalhista que possam comprometer ainda mais as condições de trabalho e que ataquem o conceito universal de trabalho decente, que o Brasil, sendo membro da OIT, tem o compromisso de defender.
Referências:
Artigos selecionados - Ministério Público do Trabalho
Portal JOTA de informação jurídica
Complexo de Vira-Lata
Terceirização irrestrita: aprovação de projeto de lei gera preocupação e protestos
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva aqui o seu comentário: