É um conceito já consagrado, entre os que estudam o assunto, que devem prevalecer as análises cujo objetivo seja o de encontrar as causas e as medidas de prevenção para que elas não se repitam. Mas ainda há quem acredite que vai reduzir acidentes por meio de identificação e responsabilização de culpados.
Pensando nisso, decidi relembrar alguns autores que já identificavam a complexidade de um acidente e de sua análise, bem como a dificuldade de se encontrar as suas verdadeiras causas.
Para a análise dos acidentes e identificação de suas causas, o engenheiro Frank Bird Jr., em um capítulo de um livro publicado pelo NIOSH, em 1973, considerava o acidente como uma forma de contato com uma fonte de energia (elétrica, química, cinética, térmica etc.) acima do limite de resistência do corpo ou de uma estrutura; ou o contato com uma substância que interfere com o funcionamento normal do corpo humano. Para ele, todos os tipos de perdas (lesões pessoais, danos materiais, perdas de produção) têm três estágios: o pré-contato, o contato e o pós-contato (com uma fonte de energia ou substância). Essa abordagem permitiu a ele concluir que a prevenção de acidentes depende de um controle de energia, atuando nos três estágios do evento acidental, com uma concentração de esforços no estágio “pré-contato”. É nesse estágio que Frank Bird Jr. destacava a aplicação de medidas de controle através de projetos de engenharia:
A maioria das condições perigosas pode ser prevista ou antecipada nas etapas de projeto, compras, manutenção ou desenvolvimento de procedimentos da operação das instalações. Condições inseguras, tais como proteções e dispositivos inadequados, sistemas de sinalização e alarme inadequados, riscos de incêndio e explosão, espaço físico congestionado, iluminação inadequada ou ruído são bons exemplos das causas mais comuns de acidentes que podem ser prevenidas por medidas de engenharia no estágio de pré-contato do controle de acidentes. (BIRD JR., 1973, p. 686)
Essas medidas de engenharia, nesse estágio de pré-contato, podem ser consideradas como requisitos de projetos, instalações e equipamentos que incorporem conceitos de prevenção de acidentes. O professor Trevor Kletz, muitos anos depois, em 2001, também destacava que os esforços maiores para a prevenção deveriam estar nos projetos de engenharia:
[...] vamos de agora em diante aceitar que as pessoas são os componentes dos sistemas que nós projetamos que não podemos reprojetar ou modificar. Mas nós podemos projetar melhores bombas, compressores, colunas de destilação [...] (KLETZ, 2001, p. 3)
Em um livro publicado com dois outros autores, Frank Bird Jr. destaca que o caráter de imprevisibilidade associado à palavra “acidente” passa uma falsa ideia de uma situação incontrolável, dificultando tanto as análises de acidentes como a adoção das medidas de controle. Mesmo assim, 30 anos depois de seu artigo anteriormente mencionado, ele permanecia enfatizando que a prevenção dos acidentes devia estar centrada no controle da energia presente nos processos e não na recomendação de mais cuidado e atenção.
[...] aqueles que acreditam que a maioria dos acidentes são causados por descuido estão propensos a apoiar programas de punição ou de incentivo para que as pessoas sejam mais cuidadosas. Um resultado provável nesse caso é que os problemas relacionados aos acidentes sejam encobertos ao invés de resolvidos. (BIRD; GERMAIN; CLARK, 2003, p. 5)
Nessa mesma linha, reforçando o que já havia abordado em outro trecho, o engenheiro e professor Trevor Kletz se empenha em demonstrar a importância de uma ação de engenharia para a prevenção de acidentes:
Nós, como engenheiros, devemos esperar que as pessoas mudem sua forma de ser (física ou mental) para que se ajustem às instalações e procedimentos ou devemos projetar instalações e procedimentos que se ajustem às pessoas? (KLETZ, 2001, p. 9)
No Brasil, o professor Mário Vidal, da UFRJ, ao tratar da evolução conceitual da noção de acidente do trabalho, menciona que o significado etimológico do termo acidente, associado à ideia de acaso, não pode ser considerado sob o ponto de vista de uma abordagem científica.
Entre as várias concepções analisadas, ele considera que “um acidente é o resultado de todo um processo de trabalho que, nessa ocasião, mostra suas insuficiências a nível de projeto, de organização e de modus operandi” (VIDAL, 1989). Para ele, reconhecer essa noção de fenômeno complexo requer substituir a noção de responsabilidade ou culpa, entendendo o modelo teórico do acidente como “o resultado do efeito conjugado de uma série de fatores causais”. Por isso ele considera que qualquer ação pela prevenção de acidentes requer a disposição de conhecer e intervir no processo de trabalho.
Nessa mesma linha, o engenheiro francês Michel Llory, em seu livro dedicado aos acidentes industriais, enfatiza esse aspecto organizacional dos acidentes. Segundo ele, ainda que sejam diversas as causas diretas desses acidentes, todos eles têm uma dimensão organizacional, ou seja, as suas causas profundas devem ser buscadas para além das falhas técnicas e humanas que ocasionaram o acidente.
Portanto, uma organização que está buscando o aprendizado contínuo, deve se enxergar como a principal responsável pelos acidentes, assim como pelas ações de prevenção. Não há razão de se gastar tempo procurando culpados e tentar puni-los.
Aliás, as organizações que já implantaram um sistema de gestão de segurança e saúde no trabalho, devem ter compreendido que ele é um sistema construído com o objetivo da excelência. Para isso, ele requer a identificação e o tratamento das anomalias, e elas sempre estarão vinculadas a alguma falha desse sistema.
Na segunda parte deste artigo, vamos apresentar abordagens de outros autores sobre o tema da análise dos acidentes.
Atualização: Em 24 de agosto de 2019, foi publicada a segunda parte (final) deste artigo. Está no seguinte link:
Referências bibliográficas:
BIRD, JR, F.E. Safety. In The industrial environment – its evaluation and control. Chapter
47. Cincinnati, Ohio: National Institute of Occupational Health and Safety, 1973.
BIRD, JR, F. E.; GERMAIN, G. L.; CLARK, M. D. Practical loss control leadership. 3. ed.
Atlanta: Det Norske Veritas, 2003.
Atlanta: Det Norske Veritas, 2003.
LLORY, M. Acidentes Industriais – O custo do silêncio. Rio de Janeiro: Multimais, 1999.
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