sábado, 23 de junho de 2018

A segurança das pessoas e o padrão brasileiro de plugues e tomadas

O novo padrão brasileiro de plugues e tomadas veio estabelecer um patamar de segurança e funcionalidade para as instalações elétricas prediais. Ele foi adotado após alguns anos de intensa discussão dentro da comunidade técnica especializada: profissionais, empresas, associações, com o respaldo técnico da ABNT, que editou a NBR 14136, e o apoio legal do INMETRO. Infelizmente, nem todos os profissionais se interessaram pelo debate, alguns até porque não acreditaram que as medidas seriam adotadas. Talvez por isso, ainda haja muitas dúvidas entre os usuários e até mesmo entre os profissionais que atuam na área de instalações prediais.

As diferenças

A principal diferença é que não tínhamos um padrão para esses dispositivos. Ao longo dos anos, fomos obrigados a conviver com tipos diferentes que foram surgindo de acordo com a demanda de novos equipamentos e de padrões estrangeiros. A maioria desses tipos era incompatível com as normas brasileiras de instalações elétricas, principalmente pela ausência da conexão para o aterramento, medida indispensável para a segurança das pessoas.

As novas tomadas e plugues são muito mais seguras pois foram projetadas tendo a segurança como um de seus principais objetivos. Além dos itens visíveis como a conexão de aterramento ( o terceiro pino ) e do formato de encaixe, que não permite o contato acidental com os pinos durante a colocação do plugue, há inovações na parte interna das tomadas. Os contatos internos somente se fecham quando os dois pinos entram simultaneamente. Isso evita, por exemplo, que a inserção de um objeto metálico em um dos furos da tomada feche o contato e provoque um choque elétrico. É uma medida contra as “travessuras” das crianças, por exemplo, contra a distração, tentativas de conectar plugues no escuro etc.

Outro item muito importante, é que os aparelhos elétricos de maior potência, serão montados com plugues de pinos mais grossos, de forma que não será possível conectá-los com as tomadas comuns. É uma medida preventiva de forma que equipamentos de consumo elevado de energia não provoquem uma sobrecarga nessas tomadas, isto é, aquecimento excessivo e ignição de incêndios. Para esses equipamentos, com plugues mais grossos, há tomadas equivalentes com orifícios mais grossos e portanto, com maior capacidade de suportar a passagem da energia elétrica.

A transição

Em um primeiro momento não há necessidade de intervir na instalação elétrica. A cada novo equipamento adquirido, o consumidor poderá optar em usar um adaptador ou trocar a tomada. Não se deve trocar o plugue de um equipamento, salvo no caso de um acidente que tenha provocado a sua deterioração. Os cabos e os plugues dos equipamentos integram um conjunto testado e aprovado. Por isso não é recomendável alterar a configuração original do fabricante do equipamento.

No caso do aterramento, não basta trocar a tomada para garantir a segurança. Por trás de cada tomada nova, também é necessário que exista o fio-terra, aquele fio que vai conduzir a corrente elétrica caso ocorra um defeito, evitando que a corrente percorra o corpo de uma pessoa que esteja em contato com o equipamento elétrico que apresentou o defeito. Esse fio-terra (condutor de proteção) já deveria estar instalado pois é uma exigência técnica que consta nas normas técnicas há muitos anos. Além disso, há uma lei federal (Lei 11.337/2006) que determina a obrigatoriedade da instalação do aterramento. Portanto, todas as novas construções, desde 2006, devem obedecer a essa exigência.

Observe que os plugues e tomadas integram um conjunto de ações para aumentar a segurança das instalações elétricas prediais. Eles, sozinhos, não resolvem todos os problemas. Se a instalação é nova e todas as tomadas já estão instaladas de acordo com o novo padrão, a situação é mais simples. Para equipamentos antigos, devem usar os adaptadores. Quando adquirirem novos equipamentos, eles já virão preparados para as novas tomadas.

Manutenção

A necessidade de substituição de uma tomada gera uma oportunidade de se pensar no conjunto da instalação. Se nunca foi feita uma revisão das instalações elétricas, essa é uma medida importante a ser adotada. Com o passar dos anos, aumentou de forma impressionante a quantidade de equipamentos elétricos instalados nas residências e escritórios. Se a instalação não acompanhar essas evolução, os fios, as tomadas e disjuntores ou fusíveis instalados há dezenas de anos podem não suportar a carga instalada. No caso de disjuntores e fusíveis, se tiverem sido bem dimensionados e instalados eles começarão a desarmar ou queimar. É um sintoma de problemas a serem resolvidos urgentemente. A carga elétrica excessiva pode provocar aquecimento dos fios e tomadas, tornando-se focos de ignição de incêndios. Isso também pode ocorrer se tiverem sido utilizados produtos inadequados na fabricação dos fios, tomadas, plugues, adaptadores, extensões etc. Pode parecer estranho, mas infelizmente há muitos produtos “piratas”, principalmente em lojas não especializadas e no comércio de rua. Esses produtos custam menos porque usam materiais de qualidade inferior, e seu desempenho não atende o que exigem as normas e nem mesmo as características que estampam em suas embalagens. Outro cuidado a ser tomado diz respeito ao uso de extensões de tomadas. Os prédios mais antigos possuem pouca quantidade de tomadas em cada cômodo. Isso fez com que se proliferassem as extensões, fixas ou móveis, e os “tês” ou benjamins, para a instalação dos novos aparelhos elétricos. Esses dispositivos, embora sejam extremamente práticos, podem fazer com que em um único ponto esteja acumulada uma carga excessiva, sinônimo de superaquecimento. Por isso, em uma reforma, é imprescindível incluir o aumento da quantidade de pontos de tomadas, utilizando, é claro, o novo padrão.

A manutenção de qualquer tipo de instalação é fundamental para o seu desempenho satisfatório ao longo dos anos. Entretanto, não é uma prática comum em instalações prediais. Na maior parte dos casos, infelizmente, as intervenções só acontecem nas reformas, ampliações etc. A manutenção pode começar com um tipo de inspeção visual que o próprio usuário pode e deve fazer, identificando problemas tais como tomadas sobrecarregadas de equipamentos, plugues imprensados atrás de armários, sofás ou outros móveis, cortinas e tapetes em contato com fios ou conexões de tomadas, interruptores e tomadas com alteração em sua cor original (causada por aquecimento). Outras observações importantes ainda a cargo do usuário, dizem respeito à percepção de determinadas ocorrências como o aquecimento de interruptores, queima de lâmpadas em intervalos curtos de tempo, variações muito bruscas na iluminação quando outros equipamentos estão ligados (ar condicionado e chuveiros, por exemplo), disjuntores desarmando ou fusíveis queimando. Em seguida, cada um dos problemas identificados deve ser corrigido com o auxílio de profissionais qualificados. Não há prescrições na legislação ou nas normas técnicas quanto à periodicidade da manutenção preventiva das instalações prediais. O ideal é uma inspeção anual nos termos explicados anteriormente e a cada cinco anos a inspeção visual qualificada das partes internas de interruptores e tomadas, e do quadro de disjuntores, e o reaperto das conexões. Nessa manutenção preventiva, proposta para cada cinco anos, seriam feitas as substituições, inclusive da fiação de alguns dos circuitos elétricos, bem como o acréscimo de circuitos, disjuntores, proteção diferencial, tomadas, testes de continuidade e outros ensaios previstos na normalização técnica, especialmente na NBR 5410, norma brasileira de instalações elétricas de baixa tensão. Por sinal, essa norma estabelece, detalhadamente, os testes que devem ser feitos antes de uma instalação ficar pronta e durante o seu funcionamento.

Profissionais qualificados

As intervenções em instalações elétricas devem ser feitas exclusivamente por profissionais qualificados. Ao usuário leigo não deve ser permitido o acesso às partes internas das instalações ou dos equipamentos. Portanto, sua atuação deve estar restrita à substituição de lâmpadas e instalação de equipamentos que dependam exclusivamente de conexão direta a uma tomada. É interessante observar que até mesmo atividades simples requerem cuidados. A troca de uma lâmpada, por exemplo, exige que o circuito esteja desligado pois um contato indesejado com a parte interna do bocal da lâmpada pode ocasionar um choque. Ligar um equipamento com os pés ou mãos molhados, também pode causar um choque se houver algum defeito de isolamento no equipamento e o circuito não estiver protegido com o fio terra ou com um interruptor de corrente de fuga (denominado de dispositivo DR).

Cuidados

Quando se trata de eletricidade, alguns cuidados importantes são: Adquirir equipamentos e materiais elétricos de boa qualidade. Em grande parte dos casos, esses equipamentos possuem a certificação obrigatória assinalada pelo selo do INMETRO. Contratar serviços especializados, com profissionais qualificados. Utilizar os recursos tecnológicos de proteção, ou seja, circuitos elétricos com aterramento, proteção diferencial residual (DR) contra choques, disjuntores para impedir a sobrecarga e os curto-circuitos. Tudo isso não dispensa os cuidados básicos de não deixar fios e instalações expostas, não mexer em circuitos elétricos ou equipamentos com os pés ou mãos molhados, manter as instalações inacessíveis para crianças, nunca mexer nas instalações sem desligar o disjuntor correspondente e não abrir equipamentos elétricos sem desligá-los da tomada. Lembre-se que a eletricidade mata, mesmo em circuitos aparentemente inofensivos.

As pesquisas realizadas no Brasil pela ABRACOPEL – Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade comprovam que a quantidade de acidentes com eletricidade é muito grande. Outra instituição que vem fazendo levantamentos das condições das instalações elétricas nas grandes cidades brasileiras é o Instituto Procobre, através do Programa Casa Segura. Esses levantamentos mostraram que, em grandes cidades brasileiras, mais da metade dos residências com mais de 20 anos de construção, nunca fizeram uma reforma nas instalações elétricas. Eis aí uma informação assustadora, que explica a razão das terríveis notícias sobre acidentes domésticos fatais. Em resumo, a eletricidade não mata apenas no trabalho, mas em residências e nas ruas. Para as instalações elétricas prediais, o novo padrão brasileiro de plugues e tomadas vem cumprir uma parte da responsabilidade técnica das empresas e profissionais de engenharia quanto a proteção das pessoas e do patrimônio. Que cada um faça a sua parte.


O autor: Ricardo Pereira de Mattos é engenheiro eletricista (UFRJ), com pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho (PUC-Rio) e Mestrado em Sistemas de Gestão de Segurança do Trabalho (UFF). Atuou em diversas instituições de ensino como professor de cursos de pós graduação em engenharia de segurança do trabalho, principalmente na disciplina de Segurança em Instalações Elétricas. É membro da SOBES - Sociedade Brasileira de Engenharia de Segurança e da ABRACOPEL - Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade.  


P.S. Este foi um artigo que eu escrevi e publiquei em agosto de 2010 (publicação original no seguinte endereço: http://www.ricardomattos.com/plugues_tomadas.html.

A edição desta semana da Revista Época (22/06/2018) publicou uma reportagem de capa  tão absurda, incompleta, sem embasamento técnico ou científico, que resolvi republicar este artigo em nosso blog.


Usando a péssima prática de ouvir apenas um dos lados e de investir em acusações, a revista resolveu tratar de um tema técnico como faz na política. Uma pena. Poderia ter procurado profissionais ou associações técnicas que conhecem e trabalham na área. Fiz questão de reproduzir o meu artigo na íntegra, para evidenciar que ele foi escrito em 2010, portanto há 8 anos. Se alguém ganhou dinheiro com essa mudança, como enfatiza a reportagem, eu digo: claro que sim. Afinal, estamos em uma sociedade capitalista, qualquer novo investimento, produto ou processo está sob a gestão de empresas e isso vai gerar vendas e lucros. Mas não é assim que funciona o sistema? A questão central não é essa. O "terceiro pino" é a conexão com o aterramento, uma medida usada em todo os lugares do mundo. Será que os repórteres, revisores ou editores nunca perceberam isso em suas viagens internacionais? Caso não tenha viajado, não pesquisaram sobre o assunto antes de publicar?

A revista pretende fazer reportagens contra outros requisitos de segurança? E o pára-raios? Afinal, para que sistemas de proteção contra descargas atmosféricas se os raios continuam "caindo"? E as mangueiras de incêndio e redes de sprinklers? Tem muita gente ganhando dinheiro com eles? Pois os incêndios continuam acontecendo... Freios ABS? Bobagem... Cinto de Segurança pra quê? O trânsito continua matando... Lei Seca? Ah, tem muita gente que não bebe e causa acidentes... É esse tipo de raciocínio que a  revista desenvolveu nessa "reportagem".

Um destaque negativo dessa natureza, em uma revista de circulação nacional e com a capa exposta em todas as bancas de jornais do país, causa um estrago quase irreparável na conscientização das pessoas para as questões de segurança com eletricidade. E o pior, é uma atuação contra a segurança das pessoas e das instalações. Triste caminho vem trilhando o jornalismo dessa revista com esse tipo de abordagem irresponsável. 

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